Há aqueles raros
momentos na existência em que um novo sentimento, um novo estado de espírito
nasce no âmago do ser. Algo único, complexo e sublime, que orienta todo o pensamento,
que conduz a razão nos infinitos caminhos que esta pode percorrer, que faz
brotar a inspiração e lhe define os tons, que delimita as paixões e a
impulsividade da alma.
Este momento é
aquele em que se sincronizam todos os sentires, em que o espírito, a mente, o
corpo e o que mais lhe definir, entram em uma mesma freqüência.
Este novo
estado possibilita novos e únicos insights próprios, lhe permite pontos de
vista jamais sonhados e inconcebíveis em outras oportunidades, assim este
estado de espírito lhe abre novos caminhos e expande seus limites.
Recriar este
momento pode ser incrivelmente árduo e pode se tornar a grande busca da vida de
muitos. Retomar aquela sensação da infância quando se passeava com os avós, ou
quando pela manhã se deitava na cama dos pais e sentia os lençóis com textura
diferentes dos seus, quando sentia o perfume de alguém que já se foi à muitos
anos ou o aroma de uma receita que muito lhe agradava ou de um lugar que não
mais existe, de um filme que lhe inspirou, ou mesmo aquela sensação de ouvir
pela primeira vez aquela música que lhe invadia e se tornaria a trilha sonora
de uma fase de sua vida.
Todos estes
casos podem ser resumidos à experiências sensoriais, mas com certeza não se
limitam à isso. Cada um deles é uma complexa aquarela, uma intrincada sinfonia
de diferentes sensações, sentimentos e pensamentos que se sincronizam num mesmo
estado de espírito e que o torna tão especial e difícil de se reproduzir, seja por
que o tempo deteriora as fontes dos sentidos, modificando paisagens, desvanecendo
perfumes, desbotando cores, edificando barreiras, ou seja por que nós também
sofremos este efeito em nós, que agora somos outros, perdemos nossa inocência e
temos pensamentos e sentimentos diferentes daqueles que já tivemos, sentimos as
coisas de modo irreversivelmente distinta de outrora.
Acho que esta
é a magia da infância e da juventude, poder gozar destes momentos sublimes com
uma freqüência invejável, e também acredito que seja este preciso estado que
muitos dos artistas buscam para fazer sua arte, assim como os apreciadores de
arte busquem ao apreciá-las e mergulhar em suas obras, e que também seja esta
mesma sincronia que viajantes buscam ao encontrar novos cenários que despertem
novos estados em nosso espírito.
Estes estados
de estado de espírito sejam talvez a causa primeira não só de nossos impulsos,
mas dos sentimentos de saudade, de saudosismo, de vazio, de plenitude, de
invencibilidade, de suma fragilidade, de amor e de medo. Talvez sejam estas
forças complexas que permeiem nossa igualmente complexa psique e que nos fazem
tão incógnitos e misteriosos para nós mesmos, e talvez, só talvez, estas forças
que nos façam olhar com igual pavor e admiração para as estrelas e para dentro
de nossos corações.