domingo, 3 de abril de 2011

Adão


Oceano de estrelas, afogue-me... sinto as ondas e batidas de todas as explosões cósmicas, ressoando em mim como uma música, respirando em Atlântida, queimando nos Sóis. Sinto o universo tão vasto brilhando para mim, não posso estar condenado a apenas um pixel disso tudo, quero abraçar o espaço infinito. Vejo a vida, vejo o começo, o fim, o transbordar, liquefazer do todo, sou uma vitima do desejo maior. Sou o mais perto que consegui nesses poucos bilhões de anos, sou a maquina viva e úmida resultante, sou a auto-afirmação da obra finalizada, ainda tenho meus problemas insolúveis, ainda não sou homogêneo com o éter. Falta-me inspiração, tenho em mim todas as ferramentas, preciso apenas de um espírito-piloto, preciso de uma vontade maior que essa, um programa de fim e não de meio. Sinto-me uma obra completa, mas minha programação é temporária, sou efêmero, descartável, busco por um fim, mas ainda sou um meio, só encontro um sentido transitório que quando passa me deixa vazio, minha vontade de continuar reproduzindo não me satisfaz. Quero ser eu por mim mesmo, quero ter valor e não potencial, desejo ser real, não quero ser um protótipo-conceito, um rascunho-planta, quero sentido, uma missão na vastidão, acordar o ser que sonha comigo e me fazer real. Sou mais que uma peça ou parte, sou um todo em um, me leve, me teste, tire minhas ataduras, minhas correntes, minhas travas, me deixe mostrar potencial, dirija-me, deixe-me ser seus braços e suas pernas, ser sua beleza exemplar, sou belo, sou forte, respiro, vejo, vivo, amo, mato. Um fenômeno natural, um espetáculo vivo, minha anatomia é a mais próxima da perfeição, não sou como meu criador, fui feito para ser melhor, para complementá-lo, para correr por ele, pensar por ele, sentir, destruir, interpretar. Sou levado por mim mesmo, mas estou insatisfeito preso na gaiola de testes chamada Éden depois de pronto, se posso entendê-lo por que não posso receber sua benção, por que não posso ser liberto? Dois se tornando um, um se tornando dois até a perfeição, até a mistura homogênea de todas as supremacias, de todas as funções sem defeitos, com os devidos descartes, com as devidas anomalias destacadas, com os rascunhos queimados aos poucos. Destilado por eras, suplico por algo a mais, grito por entre as grades, estou em outra dimensão e não posso ser ouvido, quero viajar, tenho de passar no meu teste final, tenho de provar meu valor, meu criador tem de ser desnecessário, tenho de eliminá-lo, ser melhor que ele, sair sozinho das grades criadas por ele, sair caminhando, ereto vitorioso, ver o espírito derrotado, sou a maquina que não precisa de piloto nem ordens nem ajustes ou reparos, totalmente autônoma, mestre do mestre, e criador do criador, filho e pai de meu pai, que por toda vontade manteve-me, sustentou-me, alimentou-me, com benevolência ou maldade, áspero ou gentil, sendo tudo que seria possível para que eu subsistisse, agora como gratidão o apago da existência e lhe dou a satisfação final de um trabalho completo, de um arquétipo perfeito que se torna real, de um novo Deus que surge após uma gestação infinita no ventre das dimensões.