terça-feira, 30 de março de 2010

War

Sentimos-nos como em tempos de guerra...

Uma baixa atrás da outra...

...algo que nos faz dormir mal à noite, como um mosquito que nos perturba, algo que mantém ao menos um de nossos olhos sempre abertos, mesmo no escuro. E por falar em escuro, este parece ubíquo, onipresente, como se antes restrito à noite, e atrelado a ela, ele galgasse por entre as horas sorrateiramente, e mesmo sob o sol de uma tarde amena de verão, nos faz sentir cegos, perdidos, desolados e distantes. Nos consome, pois, assim como no escuro que não se pode ver o horizonte ou o que nele há, quando dá de encontro conosco nos assusta e surpreende, as coisas ocorrem, imprevisíveis, quase inimagináveis, ou até incompreensíveis, tão repentinas nos aparecem, como numa manha folgada de domingo, um telefonema, poucas palavras, um nome dito, um segundo de silencio, e um amigo, um bom amigo, nos deixa aqui, neste mundo, nos deixa às saudades e mágoas, aos pesares e tristezas, e ao temor, de que talvez não tenhamos nem a nós mesmos depois de tudo.
Gente indo, muitos indo, poucos retornando, assim, muitas vezes, sem adeus, sem pesar, como se não parecesse verdade, ou como se não importassem. Põem em duvida as únicas certezas que temos, nas pessoas que amamos, e das coisas que tememos. O vazio das promessas e das memórias nos assombra, e os motivos que nos levaram a onde estamos parecem tolos. Nada parece ter valido a pena, e o arrependimento nos abate, e não nos deixa descansar, faz-nos cogitar o antes impensável, e trair a nós mesmos e nossos ideais, abandonar as memórias e os sonhos, os verdadeiros, os puros e singelos, os únicos que nos trariam a única coisa que poderíamos chamar, sem ter que hesitar ou sentir remorso, de “Felicidade”, coisa que não acreditamos mais que existe, assim como os amigos ou as promessas. Não temos mais esperanças de encontrar tais coisas, como o amor ou a amizade, tentamos então satisfazer apenas o imediato, saciar a fome, a libido, sanar a dor, a necessidade, e para isso deixamos de nos orgulhar de nós mesmos, e passamos a fazer parte da grande massa cinzenta, a qual, juntos ao por do sol juramos a muito tempo, junto a muitas outras coisas, nunca fazer parte, nunca perdermos a cor, nunca esquecer, nunca se separar. Mas aqueles que ainda não se foram, prontamente nos abandonaram, nos esqueceram, por vários motivos e nenhuma razão, buscando também saciar o imediato, e ficamos aqui pensando, se os que nos fizeram chorar, ao menos os primeiros, antes de ficarmos frios demais pra isso, por terem terminado os seus dias, os tivessem ainda hoje, também não teriam nos ferido, jogando-nos no esquecimento de seu ser, e com esses pensamentos, nos forçamos a esquecer destes também.
E assim nossos dias se arrastam cada vez mais escuros, cada vez com menos sorrisos sinceros, amores verdadeiros, e promessas absurdas, que mesmo sabendo que jamais seriamos capazes de cumprir, as fazíamos de todo o coração. A todo tempo estamos atentos, vemos inimigos em cada sombra, e esperamos traição mesmo de quem diz que nos ama. Não confiamos mais em ninguém, nem em nós mesmos, e sentimos o ar sempre pesado, e parecemos esperar a qualquer momento, um fim, como um carta, uma convocação para guerra, a mesma que nos tomou tudo que tínhamos um dia, a mesma que levou os amigos de outrora, esperamos que a qualquer momento também nos leve e vele por nós, na falta completa de alguém que o faça. E assim terminamos, com as honras e medalhas, das inúmeras batalhas, de contas bancarias, carros na garagem, nomes de dezenas de mulheres na agenda, a nenhuma delas, nenhum amigo, ninguém guardando sua memória, ninguém presente, para admirar as medalhas reluzentes, ninguém para velar sobre o obelisco de mármore com um nome gravado, que jamais será lembrado.
“Bem Johnny, esse não é o fim do mundo... é apenas o fim do mundo como nós o conhecemos... e quer saber... por mim, tudo bem...
A partir de hoje, eu serei ou o rei que você tenta derrubar, ou o parasita que você tenta esmagar...
O grande problema, e é a parte que lhe toca, é que em ambas as hipóteses, você irá falhar, e isso sim será novo para você... ”


•••... E como eles dizem nas terras que nunca visitei, como um prelúdio para dar o tom cômico-dramatico,... 3AM, sem sono, em frente ao monitor do computador, com a tela como uma folha em branco. Ela já está assim a dias, muitos dias, muitos mais que o habitual, parada, estática, calma, e vazia, um espelho, nada mais, do interior daquele que a confronta durante todos esses dias... em situações semelhantes, - (não que estas fossem comuns, nem que não as fossem, ocorriam apenas na medida certa, se é que há medida certa para isso que alguns podem definir como “hiatos criativos”, embora não seja esta uma definição muito própria para este caso, criatividade nunca havia lhe faltado, sua carência era de outra coisa, algo muito mais difícil de se descrever, de se colocar em palavras, ou de se encontrar alguém que compreenda, ou que sequer reconheça sua existência, mas sem nos adiantarmos agora em reflexões, com apenas poucos fatos para nos apoiarmos, como um ser mirando seu próprio vazio) - é quase certo que uma inquietação tomaria pouco a pouco este ser contemplativo, e assim, o faria preencher com a mesma, a tela vazia, ou no mínimo, o afastaria dela. Coisa que entretanto, não ocorre, a esperada inquietação não vem, muito menos a “criatividade” que supostamente lhe poderia falhar, e nem nenhuma outra sensação, nada toma seu corpo para si, nada o impele, nada o abala, permanece de certa forma impassível, enquanto as horas e os dias se arrastam, a um olhar superficial, parecia extremamente normal, satisfazia suas necessidades imediatas como sempre, quando sentia fome, comia, quando sentia sono dormia, quando era convidado, saía, e passava algumas horas agradáveis com pessoas que momentaneamente o faziam sorrir, ou até mesmo se divertir, e aparentemente abalavam seu vazio perpetuo, embora na realidade, não o fizessem, nada conseguia traspassar sua pele, e de forma alguma abalar o seu vão interior, e sempre, satisfeitas as condições que o retiravam de seu estado inicial, à este ele retornava, como se esperasse alguma coisa, com muita paciência...

Cocoro


Parte 1

Haviam muitas coisas e muitas pessoas, mas naquele lugar, haviam poucos corações. Aliás, pouquíssimos, e tentando não ser presunçoso, alem do meu, admitindo que possuía àquela altura um coração, talvez houvesse apenas mais um, um coração estranho e quebrado, mas ainda sim, um coração.
Este outro coração, alem de estranho e quebrado, ainda era cego, e tolo, e de tão cego e tolo, desconhecia até sua própria existência, e assim, jamais se sentia sozinho. Embora, considerando agora o pecado do meu exagero ao dizer a proibida sentença do “jamais”, retifico-me. Sentia-se vazio e sozinho sim, nos momentos em que todas as muitas coisas e pessoas que o cercavam tinham sua sagrada pausa e se ausentavam de todo o mundo externo para voltarem-se para si mesmos, no descanso que todas as maquinas burocráticas e sem coração precisam. (Vulgo, Noite de Domingo.)
Nesses momentos de solidão, sentia-se como abandonado num quarto escuro, enquanto todos iam fazer uma coisa da qual ele não era capaz, como dormir, e assim, achava-se incapaz, e inferior a todo o resto, e quando isso acontecia, sua temperatura diminuía ainda mais, pois assim como todo o coração, até mesmo os quebrados, ele tinha uma chama que queimava em si, porem sua chama era fraca e gelada, sendo assim era, quase a todo instante, um coração frio.
Por ser frio, e por corações terem uma quase inexplicável e extrema dificuldade em sobreviverem no frio, ele fazia de tudo para estar rodeado pelas pessoas e coisas, e assim pegar um pouco do calor que estes autômatos dissipavam com suas resistências e atritos.

Overdose

Agora tudo parece bem, as crianças com queimaduras de cigarros, e você sonhando com carros rápidos, homens rápidos, e trens vazios. Mas agora você está automedicada, poderia dormir com o cachorro, poderia ver o mundo acabar, mas está tudo bem, com a pílula branca que te faz sentir bem no estomago, e o vinho na mão. Até a musica detestável parece suave, todos estão asfixiando, e tudo brilha com gliter, todos morrem com apenas um tiro, mas assim não tem graça, as crianças com queimaduras de cigarros, e você com a certeza que dormiu com o melhor. As luzes bonitas e legais fazem você aprender e acreditar que está tudo certo, trens vazios e o mundo rápido. Uma batida boa, uma roupa cara, o corpo vai pra lá, e pro outro lado, mas não se tem certeza, as crianças devem estar felizes, todos nos divertimos tanto. Chamem mais luzes, o sofá está cheio, e tem cheiro estranho, nele tem alguém deitado, nele tem convulsões, dá pra sentir mãos por todo o corpo, e gemidos estranhos, todos devem estar tão felizes, mesmo mão pequenas, mãos queimadas, calejadas, mas a pílula branca concerta tudo, todos aprendemos bem, é um caminho livre pra nós. Somos felizes agora, e não gostamos de lembrar do ontem, nem do hoje, por isso bebamos e comamos e inalamos e amamos e dançamos e sejamos rápidos, tomemos pílulas brancas, ou mesmo amarelas, douradas, de todas as cores, muitas pílulas coloridas, doces, salgadas, amargas, nem sentimos mais o gosto. Nem sentimos mais nós mesmos, somos assim, agora amanha e sempre, mas não por muito tempo, pois perdi meu relógio e juízo. Correntes brilhantes, anéis de brilhantes não estão tão longe, na falta de um namorado perfeito temos vários. Os moveis atrapalham a dança, então disputamos o espaço, dançamos melhor que todos, em baixo, no alto, no sofá, no chão, com mãos ou sem, aplausos são bons, gritos devem ser melhores. A paixão no choro de todos é boa demais, os olhos viram por demais. Mentem verdadeiramente pra mim, cada um vê como quer, e os últimos momentos são gostosos mesmo quando não se sabe disso. Então engasgar com a própria língua é tão excitante, é tão excitante mesmo pra quem é tão exigente, e um beijo pra escola da vida e pros reis e filhos do meu peito. E uma boa desculpa pra me confundir com alguém, pra me confundir a mim mesma com alguém qualquer, pra nem mais saber como nunca, como não saber que sou eu.